Novidade de cálculo da Lei n.º 14.331/22
A Lei n.º 14.331/22 alterou a Lei n.º 13.876/19 e trouxe acréscimos à Lei n.º 8.213/91. As principais mudanças envolvem o pagamento de honorários periciais e outras questões relacionadas com os benefícios por incapacidade. Contudo, houve também uma mudança no cálculo das aposentadorias. Eu vou tentar explicar rapidamente o que mudou. A novidade é o art. 135-A que agora foi incluído na Lei n.º 8.213/91:
Art. 135-A. Para o segurado filiado à Previdência Social até julho de 1994, no cálculo do salário de benefício das aposentadorias, exceto a aposentadoria por incapacidade permanente, o divisor considerado no cálculo da média dos salários de contribuição não poderá ser inferior a 108 (cento e oito) meses.
O cálculo do valor a ser recebido a título de benefício previdenciário não é simples e nem uniforme. Ele pode variar conforme cada benefício. Além disso, inúmeras leis modificaram esse cálculo ao longo dos anos. Ainda está em vigor a regra de que o benefício previdenciário que substitua a remuneração não pode ser inferior ao salário mínimo (art. 201, §2º, CF). E para complicar, a Emenda Constitucional n.º 103/19 alterou novamente as regras de apuração do valor.
Após a alteração constitucional, o salário de benefício corresponde a 100% do período contributivo desde a competência julho de 1994 ou desde o início da contribuição, se posterior àquela competência (art. 26, caput, EC 103/19). Os salários de contribuição que integram o cálculo devem ser atualizados monetariamente (art. 201, §3º, CF/88). Essa correção monetária é realizada pelo INPC (art. 29, Lei n.º 8.213/91). Para quem não lembra, salário de contribuição é a remuneração do segurado para fins de contribuição, isto é, a base de cálculo da sua contribuição previdenciária.
O salário de contribuição espelha, em alguma medida, a remuneração da pessoa. O salário de benefício, por sua vez, é uma média dessas remunerações. Essa média é utilizada para cálculo do benefício. Assim, quanto maior a média, maior o valor do benefício (ao menos em regra). A EC 103/19 constitucionalizou a vedação de salários de contribuição anteriores a julho de 1994 na apuração do salário de benefício. Essa data corresponde à implantação do plano real. Devido à desordem econômica e elevada inflação da época, os valores do salário de contribuição poderiam estar bastante distorcidos, prejudicando os cálculos.
Ao prever o descarte dos salários de contribuição anteriores a julho de 1994, indicar que o salário de benefício significaria toda a média contributiva e, ainda, estabelecer para as aposentadorias regras de cálculo favoráveis ao emprego de tempo de exercício de atividade, a Emenda Constitucional n.º 109/19 acabou criando uma possibilidade aumentar artificialmente o valor do benefício. Para evitar essa distorção é que surge a regra do divisor mínimo (art. 135-A, Lei n.º 8.213/91).
Regra do divisor mínimo
Vou usar aqui o “exemplo extremado” sugerido pelos atualizadores do site “Tramitação Inteligente”. Aliás, esse site é gratuito e permite realizar diversos cálculos previdenciários, além de importação dos dados do CNIS. Vale a pena conferir. Então vou deixar o link aqui.
Retomando com o exemplo. Vamos imaginar um segurado com dois períodos de contribuição. É alguém que trabalhou muito no passado e praticamente nada no presente. No primeiro período, de 10/10/1950 a 10/10/1992, ele sempre fez recolhimentos no salário mínimo. No segundo período, de 01/01/2022 a 30/01/2022, houve recolhimento no teto (R$ 7.087,22). No exemplo, não falta tempo para esse segurado se aposentar. Agora veja a distorção: devido ao art. 26 da Reforma da Previdência, o seu período básico de cálculo será de 100% dos salários posteriores a julho/1994. Como ele fez apenas um recolhimento posterior a 1994, a média contributiva é de R$ 7.087,22, valor que seria a referência para cálculo da aposentadoria! Mesmo como anos de contribuição em valor mínimo, esse segurado poderia se aposentar como o máximo previsto em lei. Realmente, era complicado defender a juridicidade dessa situação, que já vinha sendo criticada pelos especialistas.
A Lei n.º 14.331/22 derruba por completo essa possibilidade. Doravante, o salário de benefício das aposentadorias será uma média calculada com a soma dos salários de contribuição, mas dividida por um divisor mínimo previsto em lei. Esse divisor mínimo é 108 meses. Voltando ao exemplo – e ainda com base no site do Tramitação Inteligente – aquele segurado precisará pegar a soma de seus salários de contribuição e dividir por 108. Como o exemplo é extremado e houve apenas um recolhimento, seria necessário dividir R$ 7.087,22 por 108, o que daria R$67,86. Sim esse seria o valor de referência se não existisse a garantia constitucional de um salário mínimo. Assim, no exemplo, a aposentadoria passará $ 7.087,22 (antes da lei nova) para R$ 1.212,00 (após a lei nova). Veja que o valor do benefício foi reduzido em mais de 80% no exemplo!
Apesar do número impressionar, foi apenas para ilustrar o impacto. Normalmente, os segurados possuem mais contribuições posteriores a julho de 1994. Aliás, matematicamente, quem tiver mais de 108 contribuições após julho/1994 não é atingido pela mudança. Dito de outra forma, quem tiver contribuições equivalentes a nove anos de trabalho pós julho/94 não sai prejudicado pela Lei n.º 14.331/22.
Muito bem, agora que sabemos o básico sobre a regra do divisor mínimo (art. 135-A, Lei n.º 8.213/91), eu vou trazer algumas últimas informações adicionais e igualmente importantes. Vamos lá.
Benefícios impactados pela regra
Apenas as aposentadorias passam contar com um divisor mínimo no cálculo do valor do benefício. Os demais benefícios não são atingidos por expressa previsão legal. Além disso, a aposentadoria por incapacidade permanente também não será apurada com divisor mínimo por exclusão expressa da lei.
Direito adquirido ao cálculo mais benéfico
O art. 135-A, da Lei n.º 8.213/91, é regra nova de cálculo e, portanto, ela não produz efeitos retroativos. A regra do divisor mínimo vale apenas para aposentadorias posteriores a 04/05/2022. É dizer, até 04/05/2022 o segurado tem direito ao cálculo sem o divisor mínimo. Após essa data – em 05/05/2022 – o segurado terá a aposentadoria calculada com o divisor mínimo. No aspecto processual, significa que a DIB (data de início do benefício) deve ser anterior a 05/05/2022 para fazer jus ao cálculo mais benéfico (sem divisor mínimo).
Uma vez mais aproveito para destacar que o site “Tramitação Inteligente” permite fazer esse cálculo de forma gratuita.
Judicialização à vista?
Para encerrar, a nova regra de cálculo das aposentadorias após a Lei n.º 14.331/22 (divisor mínimo no cálculo) é um assunto novo, que pode dar ensejo a outras polêmicas e dar ensejo a debates judiciais. Ficaremos atentos. O objetivo deste breve texto foi explicar de um modo simples e prático as mudanças, sem pretensão de aprofundar. A conferir como o tema será abordado pela jurisprudência no futuro próximo.
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