Felipe Scalabrin
Sumário: 1 Introdução; 2 Benefício de prestação continuada (BPC); 2.1 Destinatários; 2.2 Requisito formal; 2.3 Requisito econômico; 2.4 Valor do benefício; 2.5 Duração do benefício; 3 Auxílio-inclusão; 3.1 Destinatário 3.2 Requisitos; 3.3 Valor do benefício; 3.4 Data de início; 3.5 Duração do benefício; 3.6 Implementação e avaliação futura; 4 Considerações conclusivas.
1 Introdução
O chamado “benefício de prestação continuada” (BPC) consiste na garantia de um salário mínimo à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família (art. 203, V, CF; art. 20, Lei n.º 8.742/93; Decreto 6.214/07). A família, para esse benefício, “é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto” (art. 20, §1º, Lei n.º 8.742/93).
Após a Lei n.º 14.176 de junho de 2021, surgem alterações importantes no benefício em tela. Além disso, concretizando a exigência de um benefício específico para permitir a inserção da pessoa com deficiência no mercado de trabalho, foi criado o auxílio-inclusão. No presente texto, serão apresentadas algumas impressões iniciais sobre o perfil jurídico do “benefício de prestação continuada” (BPC) e sobre o auxílio-inclusão.
Sempre que possível, é preciso ter em mente que a proteção da pessoa com deficiência tem status constitucional. A chamada “Convenção de Nova York” (Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo) foi internalizada no sistema brasileiro pelo mesmo procedimento das emendas constitucionais e, portanto, tem o peso de norma constitucional. Em razão disso, a interpretação das normas referentes à pessoa com deficiência deve ser orientada pelos princípios da mencionada convenção, o que inclui a sua plena e efetiva participação e inclusão na sociedade (art. 3º, c, Decreto n.º 6.949/09).
2 Benefício de prestação continuada (BPC)
2.1 Destinatários
O “benefício de prestação continuada” (BPC) é devido apenas à pessoa natural que seja idosa ou que seja portadora de deficiência. O idoso é aquele que é tem no mínimo 65 anos de idade (art. 20, caput c/c art. 34, Estatuto do Idoso). A pessoa com deficiência é aquela “que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas” (art. 20, §2º).
O Estatuto da Pessoa com Deficiência estabeleceu ser dever do Poder Executivo contar com instrumento adequados de avaliação da deficiência (art. 2º, §2º Lei n.º 13.146/15). Aqui vem a primeira “novidade”: enquanto não tiverem sido criados tais instrumentos, a aferição será feita por “avaliação médica e avaliação social realizadas, respectivamente, pela Perícia Médica Federal e pelo serviço social do INSS, com a utilização de instrumentos desenvolvidos especificamente para esse fim” (art. 40-B, incluído pela Lei n.º 14.176/21). A inovação é apenas normativa já que, na prática, essa já era a rotina adotada.
A Lei n.º 14.176/21 estabeleceu que o INSS deverá adotar algumas medidas excepcionais para avaliação da deficiência até 31 de dezembro de 2021. São as seguintes: (a) realização de avaliação social por videoconferência; (b) concessão ou manutenção do benefício com aplicação do padrão médio à avaliação social, desde que tenha sido realizada a avaliação médica e constatado o impedimento de longo prazo (art. 3º, incisos). A aplicação do padrão médio não poderá ser utilizada para indeferir ou cassar o benefício (art. 3º, §1º). A duração dessas medidas excepcionais poderá ser prorrogada por ato infralegal (art. 3º, 3º). A operacionalização será com a Dataprev (art. 4º).
Essas medidas excepcionais estão claramente relacionadas com a crise sanitária decorrente da pandemia do novo coronavírus (Covid-19). Como há uma recomendação de distanciamento social, fica viabilizada a adoção de outros instrumentos de avaliação.
2.2 Requisito formal
A Lei n.º 13.846/19 estabeleceu requisito formal para a concessão do benefício de prestação continuada. Doravante, exige-se “para a concessão, a manutenção e a revisão do benefício as inscrições no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) e no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal - Cadastro Único, conforme previsto em regulamento” (art. 20, §12, Lei n.º 8.742/93). O requisito formal é preenchido quando o segurado conta com as duas inscrições: CPF e Cadastro Único.
Esse intolerável formalismo não foi alterado pela Lei n.º 14.176/21. De qualquer forma, exigências formais precisam ser vistas com parcimônia, especialmente no contexto de fragilidade social das pessoas com baixa renda. Trata-se, na realidade, de uma avaliação sobre a regularidade documental do indivíduo, destinada a demonstrar com mais clareza a identificação e a situação social do beneficiário. Nessa linha, apesar da redação legal indicar que os cadastros são necessários para a concessão, o sentido que se extrai do texto é que essa documentação deve ser apresentada para que se operacionalizado com mais facilidade o requerimento.
Desse modo, mesmo após a Lei n.º 14.176/21, a falta de regularidade documental também não é causa suficiente para afastar o benefício quando comprovado o requisito econômico do deficiente ou do idoso que será relembrado na sequência.
2.3 Requisito econômico
O BPC apenas é devido para quem o “não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei” (art. 203, V, CF/88). A Lei n.º 8.742/93 estabeleceu que o indivíduo necessitado seria aquele cuja família não atingisse a renda per capta de ¼ do salário mínimo (art. 20, §3º, Lei n.º 8.742/93).
Nota-se que era um patamar baixo, mas idealizado em um contexto econômico completamente diferente do atual. Como exemplo, em 1995, o salário mínimo era R$100,00 e, portanto, uma família de quatro pessoas, na renda total, deveria receber menos do que isso para que alguém tivesse direito ao benefício. No ano de 2021, o salário mínimo foi fixado em R$ 1.100,00. Não por outra razão, a conclusão do Supremo foi que eventual situação de miserabilidade deveria ser avaliada no caso concreto, posto que o critério legal teria chegado ao patamar da inconstitucionalidade (RE 567.985 – Tema 27, STF).
A Lei n.º 13.146/15 – em harmonia com a jurisprudência majoritária – fixou que, no exame da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade poderiam ser utilizados “outros elementos probatórios” que não apenas a renda per capta conforme viesse a ser fixado em Regulamento (art. 20, §11, incluído pela Lei n.º 13.146/15).
Em reforço, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região reafirmou que a renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo gera uma presunção absoluta de miserabilidade para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada (IRDR12, TRF4 – Processo n.º 50130367920174040000).
Até 2020, portanto, a paisagem jurídica era essa: o indivíduo teria direito ao benefício se a renda per capita da família fosse inferior a ¼ do salário mínimo. Se a renda fosse superior, outros elementos poderiam ser empregados para demonstrar a impossibilidade de prover a própria manutenção ou tê-la provida pela família.
A Lei n.º 14.176/21 mantém a exigência de renda per capta de ¼ do salário mínimo apesar da reformulação do texto normativo (art. 20, §3º, Lei n.º 8.742/93, com redação dada pela Lei n.º 14.176/21). Ela prevê, também, que será possível a ampliação de ¼ para até ½ salário mínimo a partir de 1º de janeiro de 2022, quando outras mudanças entrarão em vigor (art. 6º). Tais mudanças definem que o Regulamento, além de permitir o exame de outros elementos probatórios (art. 20, §11), poderá ampliar o limite da renda per capta para até ½ salário mínimo (art. 20, §11-A), considerando os seguintes aspectos: (a) grau de deficiência do deficiente; (b) dependência de terceiros para o desempenho de atividades da vida diária do idoso; (c) comprometimento do orçamento familiar com gastos médicos. O extenso detalhamento da péssima redação legal é o seguinte (art. 20-B):
Art. 20-B. Na avaliação de outros elementos probatórios da condição de miserabilidade e da situação de vulnerabilidade de que trata o § 11 do art. 20 desta Lei, serão considerados os seguintes aspectos para ampliação do critério de aferição da renda familiar mensal per capita de que trata o § 11-A do referido artigo:
I – o grau da deficiência;
II – a dependência de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária; e
III – o comprometimento do orçamento do núcleo familiar de que trata o § 3º do art. 20 desta Lei exclusivamente com gastos médicos, com tratamentos de saúde, com fraldas, com alimentos especiais e com medicamentos do idoso ou da pessoa com deficiência não disponibilizados gratuitamente pelo SUS, ou com serviços não prestados pelo Suas, desde que comprovadamente necessários à preservação da saúde e da vida.
§ 1º A ampliação de que trata o caput deste artigo ocorrerá na forma de escalas graduais, definidas em regulamento.
§ 2º Aplicam-se à pessoa com deficiência os elementos constantes dos incisos I e III do caput deste artigo, e à pessoa idosa os constantes dos incisos II e III do caput deste artigo.
§ 3º O grau da deficiência de que trata o inciso I do caput deste artigo será aferido por meio de instrumento de avaliação biopsicossocial, observados os termos dos §§ 1º e 2º do art. 2º da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), e do § 6º do art. 20 e do art. 40-B desta Lei.
§ 4º O valor referente ao comprometimento do orçamento do núcleo familiar com gastos de que trata o inciso III do caput deste artigo será definido em ato conjunto do Ministério da Cidadania, da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia e do INSS, a partir de valores médios dos gastos realizados pelas famílias exclusivamente com essas finalidades, facultada ao interessado a possibilidade de comprovação, conforme critérios definidos em regulamento, de que os gastos efetivos ultrapassam os valores médios.
A mudança no critério econômico, cabe reforçar, apenas entrará em vigor apenas em 1º de janeiro de 2022 (art. 6º, Lei n.º 14.176/21). A inovação legislativa também revogou o já estudado art. 20-A, outrora incluído pela Lei n.º 13.982/20, bem como derrubou a redação do art. 20, §3º, da Lei n.º 8.742/93 dada pela Lei n.º 13.981/20, que fora suspensa pelo Supremo na ADPF 662 MC.
O legislador ainda teve a cautela de estabelecer que a ampliação do limite da renda mensal ficará condicionada a decreto regulamentar em cuja edição deverá ser comprovado o atendimento dos requisitos fiscais (art. 6º, parágrafo único, Lei n.º 14.176/21). Trocando em miúdos: sem efetivo espaço orçamentário, não será possível a ampliação do limite da renda. A ampliação do benefício, portanto, não será automática.
2.4 Valor do benefício
O benefício de prestação continuada equivale a uma renda mínima de um salário mínimo para cada beneficiário. O valor mínimo do benefício tem fundamento direito no próprio texto constitucional e, portanto, só poderia ser reduzido por alguma intervenção da Constituição (art. 203, V, CF/88).
Após a Lei n.º 14.176/21, admite-se que o valor sofra desconto consignado em razão de débito decorrente do recebimento irregular de benefício de prestação continuada ou auxílio-inclusão (art. 40-C, Lei n.º 8.742/93). A previsão legal, porém, é inconstitucional, pois permite, indiretamente, a redução do valor para patamar inferior ao garantido pela Constituição. Nesse sentido, a garantia de um salário mínimo integra o núcleo social intangível daqueles que já vivem em situação de miserabilidade.
2.5 Duração do benefício
O benefício de prestação continuada é devido enquanto estiverem presentes os requisitos que o justificam. A duração, portanto, é indeterminada. Contudo, há previsão legal no sentido de que o benefício será revisto a cada dois anos (art. 21, caput, Lei n.º 8.742/93; art. 42, Decreto n.º 6214/07). O pagamento cessa no momento em que forem superadas as condições que o justificam, ou em caso de morte do beneficiário (art. 21, §1º). O benefício também será cancelado se for constatada irregularidade na sua concessão ou utilização (art. 21, §2º).
Após a Lei n.º 14.176/21, está autorizada a reavaliação da condições que deram ensejo ao benefício. Assim, o titular de benefício “concedido judicial ou administrativamente poderá ser convocado para avaliação das condições que ensejaram sua concessão ou manutenção” conforme o que vier a ser fixado no Regulamento (art. 21, §5º, Lei n.º 8.742/93).
3 Auxílio-inclusão
A Lei n.º 14.176/21 criou um novo benefício assistencial chamado auxílio-inclusão. A novidade entrará em vigor em 1º de outubro de 2021 (art. 5º, Lei n.º 14.176/21). O benefício já era previsto no Estatuto da Pessoa com Deficiência mas dependia de uma legislação específica consoante se infere da previsão legal ora transcrita:
Art. 94. Terá direito a auxílio-inclusão, nos termos da lei, a pessoa com deficiência moderada ou grave que:
I - receba o benefício de prestação continuada previsto no art. 20 da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993 , e que passe a exercer atividade remunerada que a enquadre como segurado obrigatório do RGPS;
II - tenha recebido, nos últimos 5 (cinco) anos, o benefício de prestação continuada previsto no art. 20 da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, e que exerça atividade remunerada que a enquadre como segurado obrigatório do RGPS.
Trata-se de benefício claramente voltado à inserção da pessoa com deficiência no mercado de trabalho. Ele se traduz em incentivo para que o deficiente que recebe benefício de prestação continuada ingresse no mercado de trabalho e, ao mesmo tempo, representa um importante subsídio financeiro para o necessitado.
3.1 Destinatário
O destinatário do auxílio-inclusão é a pessoa com deficiência moderada ou grave que preencha os requisitos legais para a concessão (art. 26-A, caput, Lei n.º 8.742/93). A pessoa com deficiência leve não terá direito ao benefício.
A avaliação do grau de deficiência deve levar em consideração os critérios previstos no Estatuto da Pessoa Com Deficiência (art. 2º, Lei n.º 13.146/15). Como visto acima, essa avaliação ocorrerá através da Perícia Médica Federal e do serviço social do INSS (art. 40-B, incluído pela Lei n.º 14.176/21).
Aproveita-se aqui para lembrar que a recente Lei n.º 14.126/21 incluiu a visão monocular como deficiência sensorial, do tipo visual, para todos os efeitos legais. Caso se confirme, pelo conjunto médico e social que essa deficiência resultante da visão monocular é moderada ou grave, o indivíduo deve ser considerado destinatário do auxílio-inclusão.
3.2 Requisitos
Os requisitos detalhados nos incisos do art. 26-A, da Lei n.º 8.742/93 são rigorosos e podem, em certo sentido, implicar no esvaziamento da garantia que era prevista no Estatuto da Pessoa com Deficiência. Confira-se a seguir cada um deles, com o alerta de que são cumulativos.
- (1º) Quanto às exigências formais: é necessário que o beneficiário tenha inscrição regular no CPF e inscrição atualizada no Cadastro Único no momento do requerimento (art. 26-A, II). A nosso ver, valem aqui as mesmas considerações feitas para o BPC, sendo essas exigências meramente formais e não integrantes da formação do direito ao benefício.
- (2º) Quanto ao exercício de atividade remunerada: exige-se que o beneficiário de benefício de prestação continuada passe a exercer alguma atividade remunerada que o enquadre em regime previdenciário geral ou próprio (art. 26-A, I). É dizer, o requerente deverá ser segurado obrigatório do RGPS ou filiado a regime próprio de previdência social da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios – RPPS (art. 26-A, I, b). Além disso, deve ter recebido benefício de prestação antes do exercício da atividade remunerada. Há, assim, uma transição do BPC para a atividade remunerada e, como a lei proíbe a acumulação desse benefício com atividade laborativa, a pessoa terá direito ao auxílio-inclusão. Uma vez mais o excesso de rigor pode prejudicar a pessoa com deficiência. É preciso compreender a essência do auxílio-inclusão como instrumento concreto de incentivo ao trabalho da pessoa com deficiência. É dizer, se não houver um lapso temporal excessivamente longo entre o último BPC e o começo da atividade remunerada, caso demonstrado que nesse ínterim subsistia a situação de miserabilidade, é devido o auxílio-inclusão.
De qualquer modo, como é exigido que o requerente tenha recebido benefício de prestação continuada imediatamente antes do exercício de atividade remunerada, foi criada uma regra de pagamento cujo propósito parece ser a regulação de situações já consolidadas. Assim, também poderá ser pago o auxílio-inclusão, sem retroativos, àquele que tenha recebido o benefício de prestação continuada nos cinco anos imediatamente anteriores ao exercício da atividade remunerada ou que tenha tido o benefício suspenso em razão do exercício de atividade remunerada (art. 26-A, §1º). Essa regra reforça que não é exigida uma exata continuidade temporal entre a concessão do auxílio-inclusão e a cessação do BPC.
- (3º) Quanto à remuneração da atividade: exige-se que o beneficiário tenha remuneração limitada a dois salários-mínimos (art. 26, A, I, a). Trata-se, portanto, de um critério objetivo que exclui indivíduos que tenham renda superior a dois salários-mínimos. Aqui é necessário interpretar o dispositivo legal desde a perspectiva da proteção social e da redução das desigualdades. A referência a dois salários-mínimos envolve aquilo que é efetivamente auferido pelo titular e, portanto, diz respeito ao rendimento líquido fruto da atividade laborativa. Assim, por exemplo, primeiro deverão ser apurados os descontos de contribuição previdenciária, imposto de renda, recolhimento de FGTS, etc., para, depois, aferir o limite remuneratório para fins do benefício.
- (4º) Quanto aos critérios do benefício de prestação continuada: o direito ao auxílio-inclusão também depende da presença dos mesmos critérios de manutenção do benefício de prestação continuada (BPC). Consideradas as exigências abordadas anteriormente, sobram três: (a) a manutenção da situação de deficiência; (b) a presença da necessidade econômica, isto é, a situação de miserabilidade; (c) a ausência de eventuais causas excludentes do benefício (como, por exemplo, a percepção de benefício previdenciário).
A situação de miserabilidade não é aferida exatamente da mesma forma que o BPC. Aqui, há expressa indicação de que devem ser excluídos do cálculo da renda per capita o valor de auxílio-inclusão recebido por outro membro da família (art. 26-A, §3º), a remuneração fruto da atividade laborativa (art. 26-A, §4º, I) e as rendas decorrentes de estágio supervisionado e de aprendizagem (art. 26-A, §4º, II).
A lógica, porém, é semelhante: o indivíduo necessitado é aquele cuja família não atinja a renda per capta de ¼ do salário mínimo, sendo certo que a vulnerabilidade econômica pode ser aferida por “outros elementos probatórios” que não apenas a renda. Um outro detalhe importante: também não deve ser incluído no cálculo da renda per capita o valor de algum outro benefício de prestação continuada recebido pela família. Conforme já visto, aplicam-se aqui os fundamentos determinantes do julgamento do Supremo Tribunal Federal atinente ao tratamento isonômico entre o idoso e a pessoa com deficiência STF, RE 580.963; Tema 312, STF).
3.3 Valor do benefício
O valor do auxílio-inclusão corresponde a 50% do valor do benefício de prestação continuada. Como este último é de um salário mínimo, o auxílio-inclusão equivale a meio salário-mínimo, no que se diferencia do BPC.
Não há inconstitucionalidade no valor a menor, já que o auxílio-inclusão é um benefício distinto, que pode ser cumulado com atividade remunerada e que incentiva a pessoa com deficiência a ingressar no mercado de trabalho. O benefício de prestação continuada, por seu turno, substitui a renda de uma atividade laborativa diante da extrema dificuldade de reinserção do requerente no mercado, aliado à condição de miserabilidade.
Adicione-se que o valor não está sujeito a desconto de qualquer contribuição e não gera direito a pagamento de abono anual (art. 29-E).
3.4 Data de início
A data de início do auxílio-inclusão é a data da entrada do requerimento (art. 26-B), sendo que neste momento o beneficiário também autorizará a suspensão do seu benefício de prestação continuada (art. 26-B, parágrafo único). A operacionalização é feita pelo INSS, embora a gestão seja através do Ministério da Cidadania (art. 26-F).
O auxílio-inclusão NÃO pode ser cumulado com benefício de prestação continuada, seguro-desemprego, aposentadoria, pensão e benefícios por incapacidade (art. 26-C). Cabe salientar que tais regras são menos restritivas do que as previstas para o próprio BPC (art. 20, §4º). Lá não é permitida acumulação com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo assistência médica e pensão especial de natureza indenizatória. Como a regra do auxílio-inclusão é mais flexível, a melhor interpretação converge pela possibilidade de acumulação com benefícios não citados no art. 26-C da Lei n.º 8.742/93 tais, como, salário-família, salário-maternidade e auxílio-reclusão, desde que, em qualquer caso, fique mantida a situação de necessidade da família.
3.5 Duração do benefício
A duração do auxílio-inclusão é indeterminada já que ele é devido enquanto estiverem presentes as circunstâncias que justificam a sua concessão (art. 26-D). É pertinente considerar que, se a pessoa com deficiência deixar de exercer atividade remunerada e, portanto, ficar sem renda, ela provavelmente voltará a ter direito ao benefício de prestação continuada (BPC).
3.6 Implementação e avaliação futura
A Lei n.º 14.176/21 prevê que as despesas decorrentes do pagamento do auxílio-inclusão correrão à conta do orçamento do Ministério da Cidadania (art. 26-G). O quantitativo de benefícios financeiros do auxílio-inclusão deverá se compatibilizado com as dotações orçamentárias existentes (art. 26-G, §1º). Além disso, o Regulamento “indicará o órgão do Poder Executivo responsável por avaliar os impactos da concessão do auxílio-inclusão na participação no mercado de trabalho, na redução de desigualdades e no exercício dos direitos e liberdades fundamentais das pessoas com deficiência” (art. 26-G, §2º). Posteriormente, no prazo de dez anos, avaliado o impacto, o auxílio-inclusão poderá ser aprimorado (art. 26-H).
4 Considerações conclusivas
A Lei n.º 14.176/21 perde a oportunidade de simplificar. Ela traz mudanças no benefício de prestação continuada (BPC) e cria o auxílio-inclusão.
Quanto ao BPC, a nova legislação mantém flancos abertos para que pontos relevantes sejam discutidos em juízo. Além disso, a exigência de renda per capta de ¼ do salário mínimo foi mantida, mesmo diante da jurisprudência consagrada no sentido de que o critério é inconstitucional. A possibilidade de ampliação de ¼ para até ½ salário mínimo a partir de 1º de janeiro de 2022 não passa de uma promessa que poderá não ser concretizada, já que depende da organização orçamentária e da boa vontade do Poder Executivo.
O surgimento do auxílio-inclusão, por seu turno, vem em boa hora para melhor atender a situação jurídica da pessoa com deficiência. O novo benefício pode representar um incentivo e uma ajuda financeira para que o titular ingresse no mercado de trabalho. É preciso ter a finalidade do benefício bastante presente para afastar interpretações restritivas, que não possuem base constitucional. Os novos desafios, portanto, estão lançados.
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